Quem sou eu

Minha foto
Santa Bárbara d'Oeste, SP, Brazil
Advocacia Especializada, Direito Criminal - Processos em Geral- Desde 1994 - Ampla Experiência Profissional

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Celso de Mello manda soltar mãe de bebê de 11 meses acusada de tráfico

14 de fevereiro de 2018, 21h24
O direito à proteção da criança e do adolescente se reveste de alto significado social e constitucional, que não pode ser menosprezado pelo Estado, "sob pena de grave e injusta frustração de um inafastável compromisso constitucional, que tem no aparelho estatal um de seus precípuos destinatários”, escreveu o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal.
A argumentação do ministro está numa liminar que mandou soltar uma mulher presa em flagrante com 50 gramas de cocaína. A prisão dela foi mantida em audiência de custódia, depois confirmada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e pelo Superior Tribunal de Justiça, embora ela tenha comprovado ser mãe de uma criança de 11 meses.
Para o ministro Celso, as decisões só se justificariam se houvesse provas de que as medidas cautelares alternativas à prisão não fossem suficientes ao caso. Como não houve, a ré deverá responder ao processo em recolhimento domiciliar.
Medidas de desencarceramento para grávidas e mães de crianças atendem regras constitucionais de atenção a crianças e adolescentes, afirma Celso de Mello ao soltar mãe de bebê de 11 meses.
A decisão explicou que com as mudanças feitas no Código de Processo Penal pelo Estatuto da Primeira Infância em 2016: a norma passou a estabelecer que o Judiciário deve evitar a decretação de prisão preventiva a grávidas e mães de crianças de até 12 anos. De acordo com o ministro Celso, foi a regulamentação dada pelo Congresso, “ainda que de modo incompleto”, às Regras de Bangkok, conjunto de normas das Nações Unidas para reduzir o impacto do encarceramento na vida de crianças recém-nascidos.
Celso de Mello explica que as medidas das Regras de Bangkok e do Estatuto da Primeira Infância não são destinadas a grávidas que cometem crimes. São restrições ao poder estatal para preservar direitos e garantias fundamentais de crianças e adolescentes, “um dos direitos sociais mais expressivos de nossa ordem jurídica”.
“O fato inquestionável, portanto, é um só: o objetivo perseguido pelo legislador constituinte, em tema de proteção integral aos direitos da criança, traduz meta cuja não realização qualificar-se-á como uma censurável situação de inconstitucionalidade por omissão imputável ao Poder Público”, afirmou.
Judiciário contra a lei
Embora sejam lei desde 2016, as medidas de proteção de crianças, bebês e grávidas não costumam ser observadas pelo Judiciário. Reportagem da revista Consultor Jurídico mostrou uma série de Habeas Corpus em que ministros do Supremo, especialmente os da 2ª Turma, apontam para decisões cassadas simplesmente por não atenderem ao que manda a lei.

O ministro Gilmar Mendes, conhecido defensor de políticas voltadas à população carcerária, chegou a oficiar o Conselho Nacional de Justiça para que adotasse medidas destinadas a atender ao que manda o Estatuto da Primeira Infância. Conseguiu da ministra Cármen Lúcia, presidente do CNJ, um levantamento e uma frase: “Não quero que nenhum brasileirinho nasça dentro de uma penitenciária”.
Já o levantamento, divulgado em janeiro deste ano, mostrou que 622 mulheres grávidas ou lactantes estavam presas em dezembro de 2017. Do total, 60% estão grávidas e 40% amamentam. Quase 44% delas estavam em São Paulo, segundo a pesquisa, feita com base no Cadastro de Presas Grávidas e Lactantes.
Questão brasileira
É mais uma decorrência da enorme população carcerária do país. Mais especificamente, do encarceramento feminino. Entre 2000 e 2014, a população carcerária do Brasil cresceu 119%, segundo dados do Ministério da Justiça. Considerando apenas as mulheres presas, o número cresceu sete vezes, de 5 mil para 37 mil – enquanto a população de mulheres do país cresceu 17% no mesmo período, de acordo com o IBGE.

Até 2016, apenas dois anos depois do recorte feito pelo Ministério da Justiça, os números mudaram muito. O Brasil passou da quarta para a terceira maior população carcerária do mundo, com 726 mil presos – ficando atrás apenas dos Estados Unidos, país com a maior quantidade de presos do mundo, e da China, que tem seis vezes o número de habitantes do Brasil.
Já o número de mulheres presas saltou para 44,7 mil. Significa uma alta de 18%, e também que o encarceramento feminino passou, de 3% do total de presos no país, para quase 7%.
O problema é que isso tem implicação direta na vida familiar dessas pessoas, conforme avalia o Ministério da Justiça. De acordo com o levantamento anual do MJ sobre população presa, o Infopen, 74% das mulheres presas têm pelo menos um filho. Entre os homens, a cifra cai para 47%.
“O sistema prisional priva as gestantes do acompanhamento pré-natal, do acesso a exames laboratoriais e de imagem, de serviços que permitam o monitoramento do desenvolvimento fetal, a identificação, o tratamento e a prevenção da transmissão de enfermidades”, observou o Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu), em petição enviada num habeas corpus coletivo impetrado no Supremo pela Defensoria Pública da União em favor de grávidas e lactantes em prisão provisória.
De acordo com a petição do CADHu, em junho de 2014 havia apenas 37 ginecologistas para toda a população carcerária do Brasil. “Reitera-se: a calamitosa situação do cárcere brasileiro faz dele um local de adoecimento físico e mental”, diz o documento.
Burocracia e realidade
O Habeas Corpus está pautado para ser julgado pelo Plenário do Supremo no dia 20 de fevereiro. A expectativa é grande. O tribunal tem dois grandes temas para se debruçar: o cabimento de Habeas Corpus coletivos e a questão das grávidas e mães de menores de 12 anos presas.

A jurisprudência do STF é a de que não cabe HC em favor de réus indefinidos. A praxe nesses casos é que a corte mande o advogado arrolar nos autos os nomes de CPFs de todos os pacientes que pretende beneficiar com o pedido.
Foi o que fez o ministro Alexandre de Moraes num habeas corpus coletivo impetrado pela DPU em favor de todos os presos provisórios mantidos em regime de recolhimento especial em presídios federais há mais de dois anos. O ministro negou o pedido de liminar e pediu para a DPU identificar os presos em questão.
Em entrevista à ConJur, o defensor público federal Gustavo de Almeida Ribeiro, coordenador da atuação da DPU no Supremo, disse que espera que o Supremo analise a questão de fundo mesmo entendendo o HC incabível. "Os temas de execução penal são árduos, não apresentam solução fácil, mas precisam ser apreciados em seu mérito", disse.
No caso da mãe da criança de 11 meses solta pelo ministro Celso no dia 8, o habeas corpus era incabível, fosse seguida a jurisprudência reiterada do STF. A Súmula 691 da corte impede a análise de HC contra decisão monocrática de ministro de tribunal superior. O HC havia sido negado pelo ministro Felix Fischer, para quem o decreto de prisão preventiva estava “suficientemente fundamentado na necessidade de garantia da ordem pública, notadamente se considerada a quantidade da droga apreendida”.
O ministro Celso discordou veementemente. “O ordenamento positivo brasileiro – ao contemplar a possibilidade de conversão da prisão preventiva em prisão domiciliar nas hipóteses previstas nos incisos III, IV, V e VI do artigo 318 do CPP, na redação dada pelo Estatuto da Primeira Infância – ajustou-se a um compromisso internacional assumido pelo Brasil no contexto das Regras de Bangkok (notadamente as Regras 57 e 58), cuja adoção foi recomendada à Assembleia Geral das Nações Unidas pelo Conselho Econômico e Social da própria ONU”, escreveu.
HC 152.090
Clique aqui para ler a decisão
 é editor da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 14 de fevereiro de 2018, 21h24

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comente, pergunte, participe